Aves, Mamíferos e Répteis de Fernando de Noronha

Ivan Sazima
Departamento de Zoologia
Universidade Estadual de Campinas
Brasil

Paul D. Haemig
Ecology Online
Stockholm, Suécia

Nota. Esse artigo online é continuamente atualizado e revisado logo que resultados de novas pesquisas científicas tornam-se disponíveis. Portanto, apresenta as últimas informações sobre os tópicos abordados.

O arquipélago de Fernando de Noronha encontra-se no Oceano Atlântico tropical, três graus ao sul da linha do Equador e 345 Km a nordeste do Cabo de São Roque, Brasil (Carleton e Olson, 1999). É o ponto extremo a leste dos neotrópicos e compreende uma ilha principal (16,9 Km²) com uma série de aproximadamente 12 ilhotas (Olson, 1994; Carleton e Olson, 1999).

A ilha e as ilhotas do arquipélago de Fernando de Noronha têm origem vulcânica e nunca foram conectadas por terra ao continente sul-americano. Conseqüentemente, todos os animais nativos do arquipélago colonizaram a ilha transportados pelo ar ou mar.

Em 10 de agosto de 1503, o renomado explorador Américo Vespúcio aportou na ilha principal de Fernando de Noronha e registrou as primeiras descrições de sua fauna para a ciência. Ele não encontrou humanos vivendo na ilha, porém notou que havia uma grande quantidade de árvores e que os pássaros terrestres e marinhos eram abundantes. Os únicos animais distintos que encontrou foram lagartos, cobras e “ratos muito grandes” (Carleton e Olson, 1999). Naquela época remota, acreditava-se que a ilha principal era “quase totalmente coberta de florestas” (Olson, 1994). Hoje restaram apenas florestas secundárias (Stattersfield et al., 1998)

Neste relatório, analisaremos os pássaros, mamíferos e répteis nativos do arquipélago. Fernando de Noronha não possui anfíbios e peixes de água doce nativos. Entretanto, o sapo cururu (Bufo schneideri) e o sapo arbóreo (Scinax aff. ruber) foram introduzidos por humanos (Olson, 1981; Oren, 1984).

Pássaros Terrestres

As seguintes espécies de pássaros terrestres se reproduzem em Fernando de Noronha e teriam colonizado o arquipélago naturalmente:

Juruviara-de-noronha (Vireo gracilirostris)
Cocoruta (Elaenia ridleyana)
Ribaçã ou avoante (Zenaida auriculata noronha)
garça-vaqueira (Bubulcus ibis)

Além disso, Olson (1981) relatou que encontrou fósseis de uma saracura extinta incapaz de voar e não descrita na ilha principal. Ele acrescentou brevemente que as espécies não se pareciam com saracuras do continente brasileiro.

A juruviara-de-noronha e a cocoruta são endêmicas no arquipélago de Fernando de Noronha. A ribaçã, um pombo, também é encontrada no continente brasileiro. A juruviara-de-noronha reproduz-se apenas na ilha principal de Fernando de Noronha, enquanto a cocoruta reproduz-se tanto na ilha principal como na Ilha Rata, a maior das ilhotas (Ridley, 1890; Olson, 1981). Além disso, a cocoruta também tem sido vista em outra ilhota do arquipélago chamada de Ilha do Meio (Oren, 1984). Durante seus estudos na ilha principal, Olson (1981) constatou que a juruviara-de-noronha e a cocoruta são "mais abundantes nas áreas remanescentes da floresta da ponta oriental da ilha e ao redor da base do Morro do Pico." Entretanto, relatou que ambas as espécies também ocorriam com menor freqüência nas árvores ao longo das estradas, em áreas arbustivas e próximas a casas.

A juruviara-de-noronha é mais acentuadamente diferenciada de seus parentes do continente do que a cocoruta ou a ribaçã. Olson (1994) a descreveu como curiosa e dócil, permitindo a proximidade com humanos. Quando comparada ao complexo da juruviara-oliva (Vireo olivaceus), de onde se originou, a juruviara-de-noronha é menor, possui um bico mais longo e delgado, além de cauda e tarso mais longos. “A asa é arredondada em vez de pontiaguda”, mas possui a mesma área de superfície (Olson, 1994).

Essas características anatômicas podem ser consideradas “especializações semelhantes às das aves canoras para apanhar pequenos insetos na folhagem" (Olson, 1994). Oren (1984) relatou que a juruviara-de-noronha geralmente pendura-se de cabeça para baixo, apanhando insetos e outros artrópodes nas folhagens, inflorescências e troncos de árvores, procurando alimento "da copa das árvores até o solo, onde percorre distâncias curtas atrás de sua presa, fazendo lembrar mais uma corruíra do que uma juruviara". Nicoll (1904) constatou que as atitudes da juruviara-de-noronha lembravam as de um rouxinol-pequeno-do-caniços (Acrocephalus scirpaceus), e registrou que a juruviara "é um pequeno pássaro ativo que se movimenta continuamente entre as folhas, apanhando um inseto uma vez ou outra".

Um imigrante relativamente novo em Fernando de Noronha é a garça-vaqueira. Este pássaro colonizou o arquipélago no últimos anos do século vinte e espalhou-se pela ilha principal. Ele também possui uma grande colônia de nidificação em uma das ilhotas.

Muitas outras espécies de pássaros terrestres visitam Fernando de Noronha casualmente a cada ano, provenientes do continente brasileiro, porém não se reproduzem no arquipélago (Nacinovic e Teixeira, 1989). Além disso, alguns pássaros que escaparam ou foram libertados de gaiolas, tais como o galo-da-campina (Paroaria dominicana), foram introduzidos por humanos e agora se reproduzem na ilha principal (Oren, 1982). Por esses motivos, o turista em Fernando de Noronha pode ver mais espécies de pássaros terrestres do que as quatro discutidas neste artigo.

Pássaros Marinhos

A reprodução dos pássaros marinhos abaixo foi registrada no arquipélago de Fernando de Noronha:

Rabo-de-palha-de-bico-vermelho (Phaethon aethereus)
Rabo-de-palha-de-bico-laranja (Phaethon lepturus)
Atobá-mascarado (Sula dactylatra)
Atobá-de-pé-vermelho (Sula sula)
Atobá-pardo (Sula leucogaster)
Catraia ou tesourão-magnífico (Fregata magnificens)
Trinta-réis-marinho (Sterna fuscata)
Trinta-réis-escuro (Anous stolidus)
Trinta-réis-preto (Anous tenuirostris)
Trinta-réis-branco (Gygis alba)

Referências: Sharpe, 1890; Oren (1982, 1984); Nacinovic e Teixeira (1989)

O Rato de Fernando de Noronha

Em 1503, o explorador Américo Vespúcio não encontrou mamíferos em Fernando de Noronha, exceto “ratos muito grandes”. Visto que as pessoas que visitaram a ilha posteriormente não mencionaram esses grandes ratos e por ser improvável que ratos do velho mundo (Rattus spp.) tenham colonizado Fernando de Noronha em seus primórdios, Ridley (1888) propôs que os grandes ratos vistos por Vespúcio pertenciam a uma espécie extinta de mamíferos parecidos com ratos desconhecidos para a ciência.

Em 1973, uma expedição conjunta brasileira e norte-americana, liderada pelo paleontologista Storrs L. Olson, visitou Fernando de Noronha e descobriu muitos fósseis de um grande rato não descrito que poderia ter sido a espécie vista por Vespúcio. Carleton e Olson (1999) formalmente descreveram este animal como o Rato de Fernando de Noronha, com um novo gênero e espécie: Noronhomys vespuccii. Eles nomearam o gênero em função da ilha de Fernando de Noronha porque acreditaram que o rato era endêmico à ilha. Deram nome à espécie em homenagem a Américo Vespúcio porque suas descrições foram a única referência conhecida que sugeriu "a existência de um roedor originário daquela ilha”.

O Rato de Fernando de Noronha foi o único mamífero terrestre nativo do arquipélago. Carleton e Olson (1999) estudaram seus fósseis e encontraram semelhanças em sua morfologia com a dos ratos-do-brejo semi-aquáticos (Holochilus e Lundomys) do continente sul-americano. Estes pesquisadores levantaram a hipótese de que o Noronhomys, Holochilus e possivelmente o Lundomys descendiam de um ancestral comum recente. Como os ratos-do-brejo de hoje, este ancestral pode ter vivido ao longo de pântanos, regatos e rios, construindo seus ninhos, “geralmente em grupos nas árvores e gramíneas que cresciam ao longo de regatos” (Carleton e Olson, 1999). É fácil imaginar como um grupo desses roedores poderia ter ficado preso em um tronco flutuante que partiu das margens do rio e foi arrastado para o mar pelas correntes e ventos, eventualmente aportando em Fernando de Noronha (Carleton e Olson, 1999).

Três roedores exóticos, o rato-doméstico (Rattus rattus), o camundongo (Mus musculus) e o mocó ou roedor (Kerodon rupestris) agora ocorrem em Fernando de Noronha. Acredita-se que os dois primeiros colonizaram a ilha algum tempo depois de 1503, provavelmente vindos dos navios que visitaram a ilha (Carleton e Olson, 1999). O roedor foi introduzido com sucesso em Fernando de Noronha em 1967 (Oren, 1984). Outro mamífero, o gato doméstico (Felis catus) também se encontra em Fernando de Noronha, bem como os muitos tipos de rebanhos domésticos como "cabras, carneiros, bovinos, cachorros e cavalos" (Oren, 1984).

Mamíferos Marinhos

Os golfinhos-de-bico-comprido (Stenella longirostris) utilizam a Baía dos Golfinhos da ilha principal para descanso e reprodução (Maida e Ferreira, 1997).

Répteis

Duas espécies endêmicas de répteis estão presentes no arquipélago: o lagarto vulgarmente chamado de cobra-de-duas-cabeças (Amphisbaena ridleyi) e o pequeno lagarto (Euprepis atlanticus). Além disso, o tejo (Tupinambis merianae) e a lagartixa (Hemidactylus mabouia) foram introduzidos pelos humanos (Olson, 1981; Oren, 1984).

O lagarto Amphisbaena ridleyi não possui membros e indubitavelmente é a “cobra” que Américo Vespúcio viu em 1503. Segundo Carleton e Olson (1999), este lagarto tem uma aparência de serpente que “sugeriria uma cobra para qualquer pessoa que não fosse um herpetologista”. A cobra-de-duas-cabeças é uma forma verdadeiramente distinta de Amphisbaena, com uma dentição molariforme unicamente derivada para alimentar-se de caracolóis (Pregill, 1984). Nas encostas do Morro do Pico, que é o ponto culminante (321 m) da ilha principal, o lagarto Amphisbaena ridleyi de Fernando de Noronha é mais abundante do que os lagartos do mesmo gênero no continente (Olson, 1981).

O pequeno lagarto é "ubíquo e incrivelmente abundante" (Carleton e Olson, 1999). A análise molecular de seu material genético mostra que seus ancestrais vieram da África em vez da América do Sul (Mausfeld et al., 2002).

Tartarugas-do-mar

A tartaruga-verde (Chelonia mydas) reproduz-se em algumas praias arenosas da ilha principal. A tartaruga-de-pente (Eritmochelys imbricata) também ocorre nas águas do arquipélago, embora não se saiba se a mesma se reproduz em alguma das ilhas.

Referências

Carleton MD, Olson SL (1999) Amerigo Vespucci and the rat of Fernando de Noronha: a new genus and species of Rodentia (Muridae: Sigmodontinae) from a volcanic island off Brazil"s continental shelf. American Museum Novitates 3256: 1-59

Losey GS, Balazs GH, Privitera LA (1994) Cleaning symbiosis between the wrasse Thalassoma duprerrey and the green turtle Chelonia mydas. Copeia 1994: 684-690

Maida M, Ferreira BP (1997) Coral reefs of Brazil: an overview. Proceedings of the 8th International Coral Reef Symposium 1: 263-274.